terça-feira, 27 de setembro de 2011
O Chamado aos Investidores - Bob Monks
Excelente palestra do Bob Monks na conferência do ICGN neste mês. São reflexões que valem para os investidores em qualquer lugar do mundo, inclusive no Brasil, tendo em vista a complacência dos atores com os vícios que ainda impedem nosso desenvolvimento sustentável. http://www.ragm.com/library/LAppel-ICGN-Paris
sábado, 24 de setembro de 2011
Lambança
Dentre os diversos atributos positivos da economia brasileira que o governo tem conseguido destruir, poucos se aproximam da escala desastrosa das medidas tomadas em relação à negociação de derivativos cambiais – a saber o IOF sobre as posições em futuros e a delegação ao CMN para estabelecer parâmetros de margem para este mercado.
Nos últimos anos, o mercado de capitais brasileiro se reinventou. Comecemos pelo mais visíviel – o mercado de ações. Até 1999 não tínhamos uma Bolsa de Valores digna deste nome. Tinhamos sim, um cassino ridículo onde se transacionavam ações como latas de sardinha, sem cumprir nem remotamente a função social de uma bolsa, que é canalizar a poupança privada para o setor produtivo. Vivemos deste então uma revolução liderada pelos investidores (e pela própria BMF Bovespa), que nos transformou numa das cinco maiores praças mundiais para captação de recursos de risco. O impacto desta transformação no crescimento do PIB foi fortíssimo, com a formalização de setores inteiros da economia (frigoríficos, construção,...) e viabilização de investimentos que não aconteceriam sem o mercado de capitais.
Qual foi a participação do governo neste processo ? Quase nenhuma. Em primeiro lugar não atrapalhou, mantendo os fundamentos de estabilidade econômica e a independência da CVM. Desfez algumas besteiras, como a CPMF sobre negociação de ações. Mas o apoio federal nunca foi de coração. Mesmo a aprovação da reforma da Lei das SA – peça fundamental nesta virada - foi sancionada pelo então vice-presidente da República, no exercício da presidência, o que demonstra a falta de prestígio do assunto entre nossos governantes.
A atividade regulamentar do Banco Central e da CVM também foi extremamente positiva, embora talvez um pouco exagerada em alguns momentos, e deficiente em outros (é assim mesmo). Por outro lado, o BNDES seguiu atuando como um competidor imbatível ao mercado de capitais, canalizando recursos subsidiados a grupos ungidos pelo conhecido dedazo.
Alongou-se o perfil da dívida pública criou-se um mercado de derivativos que também se encontra entre os cinco maiores do mundo. Mais ainda: este mercado se desenvolveu sobre as bases sólidas de uma regulamentação forte e técnica, com transparência e integração que simplesmente não possuem par no mundo. Juntamente com a regulação prudencial bancária, marcação a mercado, exigências de registro de derivativos e fundos de investimento (com cotas diárias), identificação do beneficiário final e outras características chatas aos leigos, podemos nos gabar de ter um dos mercados mais sólidos do mundo.
E é este edifício que o governo começa a desmontar. A imposição do IOF sobre derivativos cambiais inviabiliza completamente a negociação destes saudáveis produtos no mercado brasileiro. A miopia de penalizar a ponta vendedora de dólares tem o efeito de matar o mercado, e não de mudar a sua direção. Este fenômeno já ficou claro na época do terremoto japonês, quando investidores daquele país deixaram de vender ativos brasileiros e remeter dólares de volta porque sabiam que se voltassem teriam que pagar impostos novamente se voltassem.
Em recente palestra, importante autoridade do Ministério da Fazenda foi questionada se não temia exportar o mercado de capitais com as medidas recentemente tomadas. Depois de uma evasiva, a autoridade debochou da pergunta, dizendo: “Ah, o mercado de reais em Chicago é muito pequeno...isso não vai acontecer”.
Pois isto já está acontecendo, doutor!
A negociação com a moeda brasileira na CME já decolou – ultrapassa USD 100 milhões por dia (em julho era essencialmente zero). Ainda é pequena, mas o processo é lento. O problema é que ele não tem volta. Uma vez que os investidores tenham as contas, sistemas e processos para transacionar a moeda brasileira em Chicago, não haverá razão para trazê-los de volta. Ainda que se eliminem as perniciosas travas criadas, a ameaça de impedir a sacrossanta mobilidade de capitais atuará como uma espada de Dâmocles sobre o ambiente brasileiro de negociação.
Teremos então de fato exportado parcela significativa de nosso mercado, deixando o restante dele aleijado e ferido de morte na sua possibilidade de estabelecer-se como centro financeiro global. Possibilidade esta, diga-se de passagem, plenamente factível se houvesse um mínimo de sensibilidade no governo federal, dadas as vantagens regulatórias mencionadas acima, duramente construida com mais de uma década de suor.
E a morte do nosso mercado terá sido em vão, porque os esperados benefícios macroeconômicos não acontecerão. No mês de setembro, a moeda nacional se desvalorizou 14% frente ao dólar. Desde a flutuação do real em 1999, um movimento desta magnitude e desta velocidade só aconteceu 3 vezes – incluindo na eleição de Lula e na crise de 2008.
Pergunte a qualquer exportador o que acontece com o seu negócio com uma volatilidade destas. A resposta é simples: prejuízo. A exportação é caracterizada por longos ciclos de produção e venda (depende do segmento econômico). Um movimento cambial desta magnitude mata completamente a capacidade de planejamento da indústria – mesmo daquela que se beneficia com a desvalorização – e leva a prejuízos. Sem contar nos maiores custos de financiamento e hedge.
A violência do movimento do câmbio aconteceu porque o governo matou uma das pontas do mercado. Com isso matou o mercado. E ameaça ainda profanar o seu túmulo com o poder de interferir nas margens de garantias – o que deveria ser um parâmetro técnico e prudencial, e não uma ferramenta para impor a ideologia vigente ao condenado mercado de capitais.
Em prevalecendo esta ideologia, é melhor nos preparamos para voltarmos a ser um satélite das grandes praças globais de negociação de ativos.
O Fim do Filme
Nesta semana os sábios do Ministério da Fazenda brindaram a população com duas medidas tão modernas quando o Simca Chambord: um aumento estratosférico na taxação de veículos importados e mais um garrote no IOF sobre operações cambiais.
A taxação dos veículos nos remete com facilidade aos idos dos anos 50, quando o governo intervencionista de Vargas colocou os primeiros obstáculos efetivos à importação de carros e autopeças. Em 1976, os iluminados gestores econômicos da ditadura que quebraram o país (alguns deles curiosamente seguem prestando consultoria ao governo atual que se diz de esquerda – o que talvez explique muita coisa), proibiram inteiramente a importação de veículos, com o famigerado “Anexo IV”.
Já as desastradas tentativas do governo em dificultar a mobilidade de capitais, com seguidas medidas pseudo-macro-prudenciais remetem à época da Sumoc, quando várias taxas de câmbio conviviam de maneira a distribuir privilégios para setores agraciados pelo governo e gerando distorções que eram capturadas por segmentos da sociedade, em detrimento do governo e da população.
Em paralelo, a quase totalidade das medidas macroeconômicas anunciadas nos últimos anos têm o condão ou de aumentar impostos, ou de reduzi-lo de maneira seletiva. Esta política tem duas consequências importantes: primeiro, a persistência de cargas tributárias européias com serviços públicos africanos, e aumento das distorções econômicas. Além disso, cada nova regra, cada nova exceção aumenta o custo de ‘compliance’ das empresas com o tortuoso regulamento dos impostos. Os exemplos mais cabais são as isenções pontuais de PIS/Cofins, além das medidas do chamado Plano Brasil Maior: escolhem-se setores que o governo considera bonitinhos (como banda larga, ou produção cinematográficas), ou que possuam os lobbies melhor organizados (como as montadoras), que são agraciados com incentivos ou renúncias fiscais.
Medidas horizontais de redução de carga tributária, deixando que o capital encontre seus usos mais produtivos, nem pensar.
Não existe nada mais desagradável do que um sujeito na cadeira do lado que conta o final do filme. Com uma exceção: se o filme for ruim, o sujeito pode estar poupando o seu tempo.
E este filme é ruim. Todas as medidas recentes, sem exceção, resultarão em mais inflação. IOF sobre câmbio, taxação de importados, medidas para estimular o emprego quando os salários estão explodindo (Plano Brasil Maior), superindexação do salário mínimo, regras de conteúdo nacional, redução-surpresa dos juros, e por aí vai. Contemplam-se outras: maior rigidez orçamentária (Emenda 29), isonomias salariais e – a cereja no bolo – a CPMF !
O filme termina com uma inflação que paulatinamente extrapola os dois dígitos, corroi as expectativas, mina a competitividade das empresas brasileiras, quebra a espiral positiva do emprego e nos joga no pântano de um país que chafurda aos pés do seu verdadeiro potencial.
Os consumidores serão presenteados com a volta das carroças. A qualidade dos veículos feitos no Brasil – principalmente pelas quatro montadoras com presença histórica em nossas terras - já é manifestadamente abaixo daquelas dos importados. Os carros são mais caros, e oferecem garantias menores – que nos casos dos importados chega a 6 anos. Isso tudo vai acabar.
O pior é que os culpados – os atuais gestores da política econômica – não estarão mais aí quando as consequências lógicas de suas ações cobrarem seu preço. Vão até se vangloriar dos efeitos de curto prazo dessas medidas, que sem dúvida parecerão positivos. Exatamente como o efeito da cocaína.
Neste filme, o mocinho morre no final, e o bandido fica livre, e quem sabe ainda volte 20 anos depois para dar pitacos em política econômica.
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