Dentre os diversos atributos positivos da economia brasileira que o governo tem conseguido destruir, poucos se aproximam da escala desastrosa das medidas tomadas em relação à negociação de derivativos cambiais – a saber o IOF sobre as posições em futuros e a delegação ao CMN para estabelecer parâmetros de margem para este mercado.
Nos últimos anos, o mercado de capitais brasileiro se reinventou. Comecemos pelo mais visíviel – o mercado de ações. Até 1999 não tínhamos uma Bolsa de Valores digna deste nome. Tinhamos sim, um cassino ridículo onde se transacionavam ações como latas de sardinha, sem cumprir nem remotamente a função social de uma bolsa, que é canalizar a poupança privada para o setor produtivo. Vivemos deste então uma revolução liderada pelos investidores (e pela própria BMF Bovespa), que nos transformou numa das cinco maiores praças mundiais para captação de recursos de risco. O impacto desta transformação no crescimento do PIB foi fortíssimo, com a formalização de setores inteiros da economia (frigoríficos, construção,...) e viabilização de investimentos que não aconteceriam sem o mercado de capitais.
Qual foi a participação do governo neste processo ? Quase nenhuma. Em primeiro lugar não atrapalhou, mantendo os fundamentos de estabilidade econômica e a independência da CVM. Desfez algumas besteiras, como a CPMF sobre negociação de ações. Mas o apoio federal nunca foi de coração. Mesmo a aprovação da reforma da Lei das SA – peça fundamental nesta virada - foi sancionada pelo então vice-presidente da República, no exercício da presidência, o que demonstra a falta de prestígio do assunto entre nossos governantes.
A atividade regulamentar do Banco Central e da CVM também foi extremamente positiva, embora talvez um pouco exagerada em alguns momentos, e deficiente em outros (é assim mesmo). Por outro lado, o BNDES seguiu atuando como um competidor imbatível ao mercado de capitais, canalizando recursos subsidiados a grupos ungidos pelo conhecido dedazo.
Alongou-se o perfil da dívida pública criou-se um mercado de derivativos que também se encontra entre os cinco maiores do mundo. Mais ainda: este mercado se desenvolveu sobre as bases sólidas de uma regulamentação forte e técnica, com transparência e integração que simplesmente não possuem par no mundo. Juntamente com a regulação prudencial bancária, marcação a mercado, exigências de registro de derivativos e fundos de investimento (com cotas diárias), identificação do beneficiário final e outras características chatas aos leigos, podemos nos gabar de ter um dos mercados mais sólidos do mundo.
E é este edifício que o governo começa a desmontar. A imposição do IOF sobre derivativos cambiais inviabiliza completamente a negociação destes saudáveis produtos no mercado brasileiro. A miopia de penalizar a ponta vendedora de dólares tem o efeito de matar o mercado, e não de mudar a sua direção. Este fenômeno já ficou claro na época do terremoto japonês, quando investidores daquele país deixaram de vender ativos brasileiros e remeter dólares de volta porque sabiam que se voltassem teriam que pagar impostos novamente se voltassem.
Em recente palestra, importante autoridade do Ministério da Fazenda foi questionada se não temia exportar o mercado de capitais com as medidas recentemente tomadas. Depois de uma evasiva, a autoridade debochou da pergunta, dizendo: “Ah, o mercado de reais em Chicago é muito pequeno...isso não vai acontecer”.
Pois isto já está acontecendo, doutor!
A negociação com a moeda brasileira na CME já decolou – ultrapassa USD 100 milhões por dia (em julho era essencialmente zero). Ainda é pequena, mas o processo é lento. O problema é que ele não tem volta. Uma vez que os investidores tenham as contas, sistemas e processos para transacionar a moeda brasileira em Chicago, não haverá razão para trazê-los de volta. Ainda que se eliminem as perniciosas travas criadas, a ameaça de impedir a sacrossanta mobilidade de capitais atuará como uma espada de Dâmocles sobre o ambiente brasileiro de negociação.
Teremos então de fato exportado parcela significativa de nosso mercado, deixando o restante dele aleijado e ferido de morte na sua possibilidade de estabelecer-se como centro financeiro global. Possibilidade esta, diga-se de passagem, plenamente factível se houvesse um mínimo de sensibilidade no governo federal, dadas as vantagens regulatórias mencionadas acima, duramente construida com mais de uma década de suor.
E a morte do nosso mercado terá sido em vão, porque os esperados benefícios macroeconômicos não acontecerão. No mês de setembro, a moeda nacional se desvalorizou 14% frente ao dólar. Desde a flutuação do real em 1999, um movimento desta magnitude e desta velocidade só aconteceu 3 vezes – incluindo na eleição de Lula e na crise de 2008.
Pergunte a qualquer exportador o que acontece com o seu negócio com uma volatilidade destas. A resposta é simples: prejuízo. A exportação é caracterizada por longos ciclos de produção e venda (depende do segmento econômico). Um movimento cambial desta magnitude mata completamente a capacidade de planejamento da indústria – mesmo daquela que se beneficia com a desvalorização – e leva a prejuízos. Sem contar nos maiores custos de financiamento e hedge.
A violência do movimento do câmbio aconteceu porque o governo matou uma das pontas do mercado. Com isso matou o mercado. E ameaça ainda profanar o seu túmulo com o poder de interferir nas margens de garantias – o que deveria ser um parâmetro técnico e prudencial, e não uma ferramenta para impor a ideologia vigente ao condenado mercado de capitais.
Em prevalecendo esta ideologia, é melhor nos preparamos para voltarmos a ser um satélite das grandes praças globais de negociação de ativos.
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