É um desafio a este escriba falar sobre o tema da reação do governo ao problema das próteses mamárias explosivas. Desafio pela obviedade, que ilustra a maneira típica como os problema são tratados no país.
A tônica do debate é colocada pelo post do Facebook que dizia que "é um absurdo o governo não trocar todas as próteses defeituosas". A premissa básica de frases como esta, assim como da reação das otoridades e mesmo da mídia é que cabe à viúva pagar a conta de tudo.
Dificilmente poderemos conceber decisão mais personalíssima do que a de turbinar os seios com fins estéticos. A mulher se submete ao risco de uma cirurgia invasiva, com anestesia total, sem que haja qualquer real necessidade que não a vaidade pessoal. Nenhum julgamento moral quanto à decisão: a premissa básica de um liberal é que os indivíduos podem fazer aquilo que bem entendem, desde que não prejudiquem a terceiros. Natural, portanto, que as cirurgias eletivas desta natureza sejam custeadas privadamente.
Mas o mecanismo deveria ser rigorosamente o mesmo para quaisquer riscos advindos desta decisão privada. E o atual problema com as próteses francesas é simplesmente um 'sinistro' decorrente da decisão de se submeter à cirurgia estética.
Que não se diga que a autorização da Anvisa determina que o governo pague a conta. O registro público não pode configurar-se como um seguro para uma atividade privada. Caso contrário, as consequências seriam desastrosas. Quando compro um carro, em conformidade com as regulamentações locais, e o registro em algum estado da federação, não estou recebendo automaticamente um seguro grátis. Se sofrer algum acidente, ou se for assaltado, o risco é meu. Parte disso pode até ser coberto pelo DPVAT - para o qual pago separadamente um prêmio - ou posso ser encaminhado para um hospital público em caso de acidente. Mas ninguém me dará um novo carro, se eu não tiver um seguro específico para isso.
As repercussões são infindáveis. Se eu perder dinheiro com ações adquiridas em ofertas registradas na CVM, tenho direito a reembolso do governo ? Se meu celular for vítima de um hacker, o governo deve me indenizar por meus prejuízos ? Dada a quantidade de coisas que demandam registro público no país, o entendimento que ele configure um seguro inviabilizaria rapidamente as contas públicas.
Mas aqui a questão parece feita sob medida para o populismo demagógico. Estamos falando de 20 mil mulheres - por definição de classe média ou média-alta - afetadas pelo produto defeituoso. Eleitoras. Formadoras de opinião. Junte-se a estas as centenas de milhares de turbinadas pelo país, que possuem todo incentivo para serem simpáticas à causa. Por fim, um triunvirato executivo feminino ativista que ocupa o mais alto escalão da República. Temos um prato cheio para a "boa vontade" dos políticos em resolver o pepino em que essas mulheres se meteram.
Louve-se a decisão, pelo menos 'nesse momento', de só autorizar as cirurgias pelo SUS para próteses de fato defeituosas. Pode-se construir um argumento de que, criada a emergência, seria papel do governo amparar. Mas para os casos de cirurgias estéticas, conceder nova prótese com dinheiro público é um descalabro. Pior ainda é 'negociar' com os planos de saúde para que eles também cubram as cirurgias. Ou seja: obriga-se uma relação contratual privada a cobrir de maneira retroativa um novo risco. Quem paga a conta ? Está estampado na capa do Globo de 14 de janeiro: todos aqueles que não colocaram silicone nos seios. O cidadão comum, a maioria silenciosa, que mais uma vez paga pela demagogia à brasileira. Eu e você.
Toda esta ópera bufa deveria levar a uma reflexão ainda mais importante: qual é o papel do sistema público de saúde no Brasil ? Estamos falando de uma rede de proteção social, que deveria prover serviços para aqueles que não podem pagar ? Ou devemos buscar um sistema europeu que leva o cidadão a considerar o provimento de serviços de saúde como uma obrigação do governo ? Não é preciso analisar muito profundamente a situação européia para compreender a enormidade dos custos do welfare state daquele continente e suas consequências - o que parece ainda mais inadequado para um país de recursos limitados e com necessidades básicas cavalares como o nosso.
Qualquer mulher que tenha R$ 10 mil ou R$ 20 mil para uma cirurgia plástica estética tem recursos suficientes para ter cobertura de um plano de saúde privado - ou ainda para adquirir um seguro específico para os riscos advindos da cirurgia escolhida. Tal seguro poderia mesmo se tornar obrigatório, atrelado à venda das próteses, uma vez que as pesquisas mais recentes de behavioral economics demonstram a dificuldade do cidadão em ser previdente quando necessário - principalmente se existe a perspectiva implícita ou implícita de que o governo vai acabar pagando a conta. A obrigatoriedade do seguro seria portanto um intervencionismo necessário para coibir as externalidades demagógicas de situações deste tipo.
sábado, 14 de janeiro de 2012
segunda-feira, 2 de janeiro de 2012
Cojones
Em entrevista recente, o presidente da Alpargatas, Marcio Utsch criticou fortemente a política protecionista do governo. A declaração espantou e repercutiu, tendo em vista sua dissonância com tudo o que sai do chamado ‘empresariado brasileiro’. Como normalmente acontece, ela atraiu comentários exaltados dos patrulheiros de plantão, em todo o espectro político nacional (link).
Mas acima do mérito de suas palavras, o executivo levantou a possibilidade de um debate que infelizmente ainda não decolou no país: qual o papel das lideranças empresariais no processo político e nas escolhas econômicas da nação ?
É muito raro vermos um empresário falar mal do governo. E não é por acaso. Vivemos num país onde o setor público absorve mais de um terço do que é produzido, e onde mais da metade do crédito disponível na economia é definido em última instância nos gabinetes de Brasilia, ao invés dos departamentos de análises de bancos privados. Um executivo que se opõe ao governo, nestas condições, pode fazer muito mal à saúde de sua empresa. Silenciam, portanto, por timidez e até mesmo medo. Mas um medo justificável por seu ofício. O mandato destes executivos determina que tenham um dever fiduciário com as suas organizações. E se opiniões pessoais expressas publicamente puderem trazer consequências negativas para as empresas que pagam seus salários, temos uma quebra deste dever fiduciário. Não podemos, por exemplo, condenar os ‘conselheiros representantes dos minoritários’ da Petrobrás por terem compactuado com a malfadada capitalização da empresa, uma vez que os mesmos possuiam deveres fiduciários em relação às suas próprias organizações - no caso, Gerdau e Santander (pode-se questionar se deveriam ter aceito a incumbência, mas esta é uma outra discussão).
Estamos então condenados a conviver com empresários coniventes (na melhor das hipóteses) ou bajuladores das autoridades e de suas políticas, por mais equivocadas que sejam ? Hoje sim, mas não deveria ser assim.
Em recente debate do 12º Congresso do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (link), o presidente do Instituto Português da Empresa Familiar, Peter Villax, lançou um apelo às lideranças corporativas para que saiam de seus confortáveis casulos e venham participar de ‘coração aberto’ do debate sobre políticas públicas. Ao contrário das tradicionais manifestações subservientes do empresários, uma visão crítica e construtiva desta categoria da sociedade é fundamental para que as políticas públicas sejam moldadas no sentido adequado. Aqueles que criam empregos, riqueza e inovação são os maiores interessados em que o setor público saia do círculo vicioso de decisões míopes e curtoprazistas, que obedecem somente ao ciclo eleitoral. Empresários que executam planos de 10 ou 20 anos precisam influenciar gestores públicos, que não conseguem enxergar além dos quatro anos típicos de um mandato.
Mas como conciliar a necessidade de engajamento das lideranças empresariais com seus deveres fiduciários– principalmente em jurisdições como a nossa, onde os gestores públicos preferem publicidade a notícia (link), e onde o maniqueísmo distribui benesses aos amigos e condena os opositores ao jejum de verbas e contratos com o Leviatã ?
A resposta está – ou deveria estar - nas associações de classe. Sua razão de existir deveria ser a canalização de opiniões e do engajamento das lideranças empresariais em relação às políticas públicas. Infelizmente, no Brasil isso não acontece. O sindicalismo patronal é apenas mais um apêndice estatal que dá acesso a um ervanário público que vitamina ad eternum o custo-Brasil. Todas as federações, confederações, sindicatos e associações parecem existir com o único benefício de adular os governantes, ou assegurar uma maior canalização de verbas públicas para seus constituintes. Assim como foi feito com os sindicatos de empregados, engesssados desde a CLT mas verdadeiramente estatizados pelas políticas públicas da última década, as entidades empresariais deixaram de ser parte da solução e se tornaram parte do problema. As mazelas envolvendo a Fiemg e o ministro Fernando Pimentel são um pequeno exemplo disso.
É fundamental que se encontrem veículos para expressar opiniões corajosas como aquelas do presidente da Alpargatas. Isso se refere não apenas ao setor público, como também às práticas corporativas – como fez o ex-presidente da Usiminas, Marco Antonio Castello Branco.
Só sairemos da atual ditadura do populismo quando empresários corajosos como estes encontrarem um canal efetivo para externarem suas idéias e influenciarem seus pares – e indiretamente o governo. Para isso acontecer, a maioria silenciosa de empresários do bem precisa se engajar.
Empresários brasileiros, uni-vos! Vocês não tem nada a perder a não ser as correntes que emperram o progresso.
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