sábado, 14 de janeiro de 2012

O Bolsa Peitão

É um desafio a este escriba falar sobre o tema da reação do governo ao problema das próteses mamárias explosivas. Desafio pela obviedade, que ilustra a maneira típica como os problema são tratados no país.

A tônica do debate é colocada pelo post do Facebook que dizia que "é um absurdo o governo não trocar todas as próteses defeituosas". A premissa básica de frases como esta, assim como da reação das otoridades e mesmo da mídia é que cabe à viúva pagar a conta de tudo.

Dificilmente poderemos conceber decisão mais personalíssima do que a de turbinar os seios com fins estéticos. A mulher se submete ao risco de uma cirurgia invasiva, com anestesia total, sem que haja qualquer real necessidade que não a vaidade pessoal. Nenhum julgamento moral quanto à decisão: a premissa básica de um liberal é que os indivíduos podem fazer aquilo que bem entendem, desde que não prejudiquem a terceiros. Natural, portanto, que as cirurgias eletivas desta natureza sejam custeadas privadamente.

Mas o mecanismo deveria ser rigorosamente o mesmo para quaisquer riscos advindos desta decisão privada. E o atual problema com as próteses francesas é simplesmente um 'sinistro' decorrente da decisão de se submeter à cirurgia estética.

Que não se diga que a autorização da Anvisa determina que o governo pague a conta. O registro público não pode configurar-se como um seguro para uma atividade privada. Caso contrário, as consequências seriam desastrosas. Quando compro um carro, em conformidade com as regulamentações locais, e o registro em algum estado da federação, não estou recebendo automaticamente um seguro grátis. Se sofrer algum acidente, ou se for assaltado, o risco é meu. Parte disso pode até ser coberto pelo DPVAT - para o qual pago separadamente um prêmio - ou posso ser encaminhado para um hospital público em caso de acidente. Mas ninguém me dará um novo carro, se eu não tiver um seguro específico para isso.

As repercussões são infindáveis. Se eu perder dinheiro com ações adquiridas em ofertas registradas na CVM, tenho direito a reembolso do governo ? Se meu celular for vítima de um hacker, o governo deve me indenizar por meus prejuízos ? Dada a quantidade de coisas que demandam registro público no país, o entendimento que ele configure um seguro inviabilizaria rapidamente as contas públicas.

Mas aqui a questão parece feita sob medida para o populismo demagógico. Estamos falando de 20 mil mulheres - por definição de classe média ou média-alta - afetadas pelo produto defeituoso. Eleitoras. Formadoras de opinião. Junte-se a estas as centenas de milhares de turbinadas pelo país, que possuem todo incentivo para serem simpáticas à causa. Por fim, um triunvirato executivo feminino ativista que ocupa o mais alto escalão da República. Temos um prato cheio para a "boa vontade" dos políticos em resolver o pepino em que essas mulheres se meteram.

Louve-se a decisão, pelo menos 'nesse momento', de só autorizar as cirurgias pelo SUS para próteses de fato defeituosas. Pode-se construir um argumento de que, criada a emergência, seria papel do governo amparar. Mas para os casos de cirurgias estéticas, conceder nova prótese com dinheiro público é um descalabro. Pior ainda é 'negociar' com os planos de saúde para que eles também cubram as cirurgias. Ou seja: obriga-se uma relação contratual privada a cobrir de maneira retroativa um novo risco. Quem paga a conta ? Está estampado na capa do Globo de 14 de janeiro: todos aqueles que não colocaram silicone nos seios. O cidadão comum, a maioria silenciosa, que mais uma vez paga pela demagogia à brasileira. Eu e você.

Toda esta ópera bufa deveria levar a uma reflexão ainda mais importante: qual é o papel do sistema público de saúde no Brasil ? Estamos falando de uma rede de proteção social, que deveria prover serviços para aqueles que não podem pagar ? Ou devemos buscar um sistema europeu que leva o cidadão a considerar o provimento de serviços de saúde como uma obrigação do governo ? Não é preciso analisar muito profundamente a situação européia para compreender a enormidade dos custos do welfare state daquele continente e suas consequências - o que parece ainda mais inadequado para um país de recursos limitados e com necessidades básicas cavalares como o nosso.

Qualquer mulher que tenha R$ 10 mil ou R$ 20 mil para uma cirurgia plástica estética tem recursos suficientes para ter cobertura de um plano de saúde privado - ou ainda para adquirir um seguro específico para os riscos advindos da cirurgia escolhida. Tal seguro poderia mesmo se tornar obrigatório, atrelado à venda das próteses, uma vez que as pesquisas mais recentes de behavioral economics demonstram a dificuldade do cidadão em ser previdente quando necessário - principalmente se existe a perspectiva implícita ou implícita de que o governo vai acabar pagando a conta. A obrigatoriedade do seguro seria portanto um intervencionismo necessário para coibir as externalidades demagógicas de situações deste tipo.

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